Lembro-me do meu vizinho. Sapateiro duas vezes por ano, no máximo, porque o combate corpo a corpo e verbal que ele mantinha com os pregos, o martelo e o alicate era deveras extenuante. As ferramentas eram todas insultadas por demais, mas mesmo assim teimavam, ora caindo das mãos, ora ficavam escondidas dentro dos próprios bolsos ou debaixo dos pés.
— Ah danadas, vocês vão ver quem manda!
A luta era tão intensa que não podia ser prolongada por mais de dez minutos. Assim, umas meias solas só ficavam prontas ao fim de um mês e tal, para a impaciência dos fregueses que ainda reclamavam do preço alto e da obra mal feita.
O meu vizinho queria lá saber, dedicava a vida a uma causa para ele muito mais importante: O funcionamento dos serviços de correio. Assinava jornais diários e semanais só com o propósito de ver se a correspondência chegava à hora certa. Um atraso, por mais insignificante que fosse, dava logo mote para ele ir para a rua anunciar:
— Não hei-de morrer sem um posto dos correio aqui na terra.
E não. O dia em que um posto dos CTT abriu, apesar de provisório e sem nenhumas condições, o homem sentiu-se com certeza um herói.
Não me lembro é se morreu antes ou depois da grande, moderna e verdadeira estação que agora existe ser inaugurada. Algo com a qual nem ousou sonhar.