Era uma vez teatro APPC Texto interpretado por Catarina Rodrigues em “Mulheres de Ferro, desenhadas a carvão” |
Gosto
de sapatos de salto alto, é normal, não percebo porquê há tanta gente a
reparar nos meus saltos altos. Baixinho, para eu não ouvir, até chegam a
perguntar como é que eu caminho. Aí não seguro a gargalhada estrondosa e
exclamo bem do alto do meu desdém:
-
Não caminho, estou em cadeira de rodas! Posso usar os saltos que bem me
apetecer sem arriscar a torcer um pé na calçada.
É
assim que me apresento: uso a vida como bem me apetece, sem meias medidas nem contemplações.
Tal como ela fez comigo logo à nascença. Estamos quites!
Obrigada,
vida, por me teres dado um só braço que ergo com a determinação de um ‘’Estou
aqui!’’, sou mulher de pernas grossas, ligeiramente arqueadas, e uns quadris
bem largos, como convém.
Em
miúda, as tias e as primas velhas olhavam-me como se fosse uma figura bizarra, e
em coro, andavam atrás de mim:
-
Tapa, tapa, tapa...
Não
tapei. Pelo contrário, com saias cada vez mais curtas, escancarei os meus
peculiares atributos de mulher à luz do dia.
Ainda
em garota, ao verem-me só com um braço, havia sempre alguém que perguntava:
-
Ela fala?
Furiosa
e espevitada, respondia à letra, como gente grande:
-
Essa ‘’ela’’, sou eu mesma! E falo sim, pelo meu rico cotovelo, vejam bem...
Para
se ver bem, os decotes tornaram-se sempre mais e mais atrevidos e sedutores.
Por cima do ombro, do braço que não tenho, fui chamando a mim cada um dos meus
múltiplos amores.
-
E agora, ó mulher, o que vais fazer com o filho que trazes no ventre?
Criei
o primeiro, o segundo e o terceiro filho. Criei-os com as mesmas falhas e os
mesmos acertos do que qualquer mulher. Filhos
deste meu corpo inteiro, desceram-me do sangue até as ancas antecipadamente
preparadas para a maternidade. Segurei-os no meu peito, e por eles, para os
defender, estive sempre a braços com as batalhas do dia a dia. Derrotei ódios,
calúnias, ciúmes, em suma, os preconceitos de uma sociedade de olhos tortos.
Do
cimo dos meus saltos altos, encara-vos e declaro: este é o meu corpo, nu e cru,
tão forte quanto imperfeito!
1 comentário:
Ahahahahaha
adoro adoro adoro
é este sentido de humor que falta às pessoas que se acham normais e tratam os "outros" de forma diferente.
mais uma vez....CHAPEAU!!!! (que raio, ando a distribuir os meus chapéus todos)
bisous
a.
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