Distâncias perdidas
Quantas vezes a avó da minha avó terá ido ao Brasil num barco
à vela? Tantas são as viagens que se prolongam através das tempestades, dos
ventos em alto mar. Três meses de oceano sem fim, para lá do fim do mundo.
Regressava de cada viagem com um filho no ventre. Imagino os enjoos, os
cansaços lançados borda fora, os mortos rezados no escuro das íntimas
ladainhas.
Os homens foram para a Lua, para o céu ou para o inferno
consoante os seus jogos de estratégia. Todo o ouro do Brasil foi insuficiente, os
homens perderam-se com as mulatas, ficaram desnorteados das ideias. Nem todo o
ouro do Brasil foi esbanjando, a avó da minha avó terá tido o marido de volta,
não sei bem, mas a casa construída possivelmente no século XVIII, ainda se mantém
de pé, sem tremer nem abanar.
A minha avó perdeu a mãe muito cedo, ajudou a criar os oitos
irmãos, herdou a máquina de costura, alguns terrenos e metade da casa. Metade
que é e sempre foi uma casa inteira. A minha avó todos os anos assinalava o dia e a
hora exacta da chegada das andorinhas. Os ninhos mantinham-se intactos,
agarrados às vigas do cabanal. Entravam pelo lado dos ventos, saiam por cima do
portão. Asas à solta num tempo em que a casa ainda era aberta, em que a
vizinhança tinha permissão de ir ao poço abastece-se de água.
Tanto frio, tanta chuva. Depois a Primavera trazia as
andorinhas e a minha avó sentava-se com os pés ao sol. Nasceu e morreu na mesma
casa, em toda a sua longa vida nunca teve outro lar. Nunca teve necessidade de
viajar para além do mar sem fim.
Foi grande o seu mundo.
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