segunda-feira, 9 de fevereiro de 2009

Memórias

Diga-se, a minha escolaridade é mínima e feita já fora da idade. Valeu-me a Selecta Literária, por onde o meu irmão tinha estudado, com o seu lápis sempre afiado e mui cheio de distraídas gravuras. Foi nesse compêndio que encontrei a Mofina e outros textos que não mais vim a esquecer. Eis aqui o D. Beltrão... Haverá hipérbole mais elaborada do que as três feridas?

A MORTE DE D. BELTRÃO

Versão de Vinhais, recolhida pelo Pe José Firmino da Silva, 1904 (José Leite de Vasconcelos, Romanceiro Português. 1º vol., Coimbra, 1958, versão nº 18, pp. 31-32).

– Quedos, quedos, cavaleiros, — que el-rei vos mandou contar,

Falta aqui o Valdevinos — e seu cavalo tremedal;

Falta a melhor espada — que el-rei tem para batalhar.

Não no achastes vós menos, — à ceia, nem ao jantar;

Só o achastes menos — a porto de mau passar.

Deitaram sortes à ventura — a qual o havia d’ir buscar.

Todas sete lhe caíram — ao bom velho de seu pai;

Três lhe caíram por sorte — e quatro por falsidade.

Lá se vai o bom do velho, — o seu filho vai buscar.

Pelos altos vai voando, — pelos baixos procurando,

À entrada duma vila, — à saída dum lugar,

Encontrou três lavadeiras — numa ribeira a lavar.

– Deus vos guarde, lavadeiras, — que Deus vos queira guardar.

Cavaleiro d’armas brancas — viste-lo por aqui passar?

– Esse soldado, senhor, — morto está no areal;

Os seus pés tem sobre a areia — e a cabeça no juncal;

Três feridas tem em seu corpo, — todas três d’homem mortal;

Por uma lhe passa o sol, — pela outra o luar,

Pela mais pequena delas — um gavião a voar,

Com as asas bem abertas, — sem nas ensanguentar.

– Não torno a culpa aos Mouros, — em meu filho matar;

Só a torno ao seu cavalo, — não no saber desviar.

De mandado de Deus Padre — veio o cavalo a falar;

– Três vezes o desviei — e três me fez avançar,

Apertando-me as esporas — alargando-me o peitoral;

Dava-me sopas de vinho — para melhor avançar;

Os muros daquele castelo — três vezes me fez salvar.


d'Aqui

7 comentários:

António Conceição disse...

Muito bom!

teresa g. disse...

Mas olha, acho que para a maior parte das coisas que estudamos 'na idade' o melhor nos passa ao lado (enfim, falo por mim). Só tem a vantagem usar os neurónios frescos da memória, porque os outros ainda estão todos a dormir...

Blimunda disse...

Provavelmente não. Mas diz-me,´´e mesmo esse o móbil da tua mensagem? Ou sou eu que vejo filmes?

mac disse...

Quem me dera a escola que ensina sem trabalho...

jg disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
jg disse...

Haverá. Não me lembro neste momento de nenhuma, mas aposto que haverá.
E, havendo-a, hei-de voltar à liça para que fique claro que havendo a hipótese de haver, have-lo-á sempre!

Graça Pires disse...

O Romanceiro português é um livro privilegiado para as nossas memórias e para o nosso desejo de conhecer mais...
Um beijo.