segunda-feira, 16 de dezembro de 2013



Todos os anos a minha mãe: “Enquanto puder, faço sempre o Presépio...”
- Mas a cabana do menino Jesus já está tão torta... e o espelho do lago podia mudar de sítio... e o São José partiu pelo pescoço...  - refilava eu, só por gostar de refilar.

Este é o terceiro ano que a minha mãe vai passar sem fazer o Presépio.

segunda-feira, 1 de julho de 2013

sábado, 23 de março de 2013

OS DIAS OCULTOS

Henri Valensi


Por não querer repetir os mesmos erros
É que erro
Ao repetir sempre as mesmas palavras

E mais uma pedra na ponta da fisga
Mas não tiro a mão detrás das costas
Isso não
Os pássaros que se danem
Ou que morram de frio

Eu aguento-me sem penas
E com o pescoço nu

Não tenho como agasalhar os olhos
Nem posso esconder os espirros
Que me saem da alma

Esfrego o nariz para evitar a chuva
Já tenho os dedos tortos e a pele seca
Penso que isso são coisas da idade
Mas também penso no esquecimento
Que faz mal e provoca aftas na cabeça

Se não estou com cabeça para nada
Rebusco em todas as caixas
Até encontrar um gato ou um papel
As moedas e os rebuçados também fazem jeito
Para afastar as moscas ou as trovoadas

terça-feira, 26 de fevereiro de 2013

A BOCA DO CORAÇÃO

Teresa G.

Já quase nada me acorda.
Mas juro que não sonhei
Quando vi o avião a voar para trás.
Aconteceu isso várias vezes,
Durante algumas tardes consecutivas.
Ainda tentei partilhar a minha visão
E apontava com o dedo: Ali, ali...

Depois aconteceu a morte, a minha primeira morte.

Não sei o que me aperta a alma, o pescoço, as paredes...
Estou surda e só a chuva me alivia, é como um beijo.

Bebo café para não acordar enquanto durmo.
Poderia haver um violino que tocasse para trás.

Eu sei, para trás não há dias
Porque o relógio continua
Mais ou menos nas quatro menos um quatro.
Tudo sem corda e sem funcionar:
A casa, o jardim, o quintal...

Não sei quanto metros quadrados tem um hectare
Passo demasiado horas na cama e no facebook
Também jogo muito, muito, muito... mas sem vontade.

Às vezes escrever é a coisa mais fácil,
Outras vezes tenho de aceitar
O pão, o vinagre e os espinhos.

sexta-feira, 22 de fevereiro de 2013

MÚSICA SALGADA


Pela boca morrem os poetas.
Autofágicos de si,
Engolem-se com um impulso asfixiado de nicotina,
Ferem-se com as escamas das próprias palavras.

E as palavras caem, uma a uma,
Gota a gota, na página agonizante do tempo.

Ai poetas, poetas...
Que na pele seca dos vossos corações
Seja rasgado o sopro de uma harpa
Que, rugindo alto, nas goelas do vento,
Passe por entre as rochas mais ásperas,
Mais pesadas de labirínticas tatuagens...

Mas seja aí, nessa pétrea nudez
Que as azáleas mais etéreas se libertem.

Que nada vos impeça nem do sangue nem da fala,
Respirem fundo até depurar completamente
O vício afiado dos vossos olhos taciturnos
Que de tanto vaguear, perdem o mapa secreto das ruas.

Pela loucura se substanciam os poetas.
Autóctones de si,
Procuram-se por dentro,
Afogando-se no tumulto torácico
Em que um diafragma de guelras se agita
Num bater de ondas e de pensar.


sábado, 26 de janeiro de 2013

ANATOMIA DE UM ESPELHO TORTO


Zoltan Szabo


Abrir o fecho eclair da testa ou do peito
Tanto faz porque já nada me liberta,
Tenho os fusos apertados
Entre Tóquio e o meu úmero esquerdo.

Da testa, só o franzir esdrúxulo
De quem puxa com força 
As réguas sem medidas
E baralha os pés e as polegadas
De um dia cósmico.

Do peito, ah do peito...
Não sai eco nem sentir,
Bebi o mar pela garrafa
E com a faca, cortei as palavras
Que andavam a bater contras paredes do céu.

Mandei-as todas para o lixo.

Agora vou fazer desenhos com as cores do vento.