sexta-feira, 31 de outubro de 2008

Cimeira Ibero-Americana

Descobri, o magalhães veio para substituir o galo de Barcelos!

quinta-feira, 30 de outubro de 2008

Um post de quilómetro, mas que me apetece pôr aqui.

O cágado


Almada Negreiros


Havia um homem que era muito senhor da sua vontade. Andava às vezes sozinho pelas estradas a passear. Por uma dessas vezes viu no meio da estrada um animal que parecia não vir a propósito — um cágado.

O homem era muito senhor da sua vontade, nunca tinha visto um cágado; contudo, agora estava a acreditar. Acercou-se mais e viu com os olhos da cara que aquilo era, na verdade, o tal cágado da zoologia.

O homem que era muito senhor da sua vontade ficou radiante, já tinha novidades para contar ao almoço, e deitou a correr para casa. A meio caminho pensou que a família era capaz de não aceitar a novidade por não trazer o cágado com ele, e parou de repente. Como era muito senhor da sua vontade, não poderia suportar que a família imaginasse que aquilo do cágado era história dele, e voltou atrás. 0uando chegou perto do tal sítio, o cágado, que já tinha desconfiado da primeira vez, enfiou buraco abaixo como quem não quer a coisa.

O homem que era muito senhor da sua vontade pôs-se a espreitar para dentro e depois de muito espreitar não conseguiu ver senão o que se pode ver para dentro dos buracos, isto é, muito escuro. Do cágado, nada. Meteu a mão com cautela e nada; a seguir até ao cotovelo e nada; por fim o braço todo e nada. Tinham sido experimentadas todas as cautelas e os recursos naturais de que um homem dispõe até ao comprimento do braço e nada.

Então foi buscar auxílio a uma vara compridíssima, que nem é habitual em varas haver assim tão compridas, enfiou-a pelo buraco abaixo, mas o cágado morava ainda muito mais lá para o fundo. Quando largou a vara, ela foi por ali abaixo, exatamente como uma vara perdida.

Depois de estudar novas maneiras, a ofensiva ficou de fato submetida a nova orientação. Havia um grande tanque de lavadeiras a dois passos e ao lado do tanque estava um bom balde dos maiores que há. Mergulhou o balde no tanque e, cheio até mais não, despejou-o inteiro para dentro do buraco do cágado. Um balde só já ele sabia que não bastava, nem dez, mas quando chegou a noventa e oito baldes e que já faltavam só dois para cem e que a água não havia meio de vir ao de cima, o homem que era muito senhor da sua vontade pôs-se a pensar em todas as espécies de buracos que possa haver.

— E se eu dissesse à minha família que tinha visto o cágado? - pensava para si o homem que era muito senhor da sua vontade. Mas não! Toda a gente pode pensar assim menos eu, que sou muito senhor da minha vontade.

O maldito sol também não ajudava nada. Talvez que fosse melhor não dizer nada do cágado ao almoço. A pensar se sim ou não, os passos dirigiam-se involuntariamente para as horas de almoçar.

— Já não se trata de eu ser um incompreendido com a história do cágado, não; agora trata-se apenas da minha força de vontade. É a minha força de vontade que está em prova, esta é a ocasião propícia, não percamos tempo! Nada de fraquezas!

Ao lado do buraco havia uma pá de ferro, destas dos trabalhadores rurais. Pegou na pá e pôs-se a desfazer o buraco. A primeira pazada de terra, a segunda, a terceira, e era uma maravilha contemplar aquela majestosa visibilidade que punha os nossos olhos em presença do mais eficaz testemunho da tenacidade, depois dos antigos. Na verdade, de cada vez que enfiava a pá na terra, com fé, com robustez, e sem outras intenções a mais, via-se perfeitamente que estava ali uma vontade inteira; e ainda que seja cientificamente impossível que a terra rachasse de cada vez que ele lhe metia a pá, contudo era indiscutivelmente esta a impressão que lhe dava. Ah, não! Não era um vulgar trabalhador rural. Via-se perfeitamente que era alguém muito senhor da sua vontade e que estava por ali por acaso, por imposição própria, contrafeito, por necessidade do espírito, por outras razões diferentes das dos trabalhadores rurais, no cumprimento de um dever, um dever importante, uma questão de vida ou de morte — a vontade.

Já estava na nonagésima pazada de terra; sem afrouxar, com o mesmo ímpeto da inicial, foi completamente indiferente por um almoço a menos. Fosse ou não por um cágado, a humanidade iria ver solidificada a vontade de um homem.

A mil metros de profundidade a pino, o homem que era muito senhor da sua vontade foi surpreendido por dolorosa dúvida — já não tinha nem a certeza se era a qüinquagésima milionésima octogésima quarta. Era impossível recomeçar, mais valia perder uma pazada.

Até ali não havia indícios nem da passagem da vara, da água ou do cágado. Tudo fazia crer que se tratava de um buraco supérfluo; contudo, o homem era muito senhor da sua vontade, sabia que tinha de haver-se de frente com todas as más impressões. De fato, se aquela tarefa não houvesse de ser árdua e difícil, também a vontade não podia resultar superlativamente dura e preciosa.

Todas as noções de tempo e de espaço, e as outras noções pelas quais um homem constata o quotidiano, foram todas uma por uma dispensadas de participar no esburacamento. Agora, que os músculos disciplinados num ritmo único estavam feitos ao que se quer pedir, eram desnecessários todos os raciocínios e outros arabescos cerebrais, não havia outra necessidade além da dos próprios músculos.

Umas vezes a terra era mais capaz de se deixar furar por causa das grandes camadas de areia e de lama; todavia, estas facilidades ficavam bem subtraídas quando acontecia ser a altura de atravessar uma dessas rochas gigantescas que há no subsolo. Sem incitamento nem estímulo possível por aquelas paragens, é absolutamente indispensável recordar a decisão com que o homem muito senhor da sua vontade pegou ao princípio na pá do trabalhador rural para justificarmos a intensidade e a duração desta perseverança. Inclusive, a própria descoberta do centro da Terra, que tão bem podia servir de regozijo ao que se aventura pelas entranhas do nosso planeta, passou infelizmente desapercebida ao homem que era muito senhor da sua vontade. O buraco do cágado era efetivamente interminável. Por mais que se avançasse, o buraco continuava ainda e sempre. Só assim se explica ser tão rara a presença de cágados à superfície devido à extensão dos corredores desde a porta da rua até aos aposentos propriamente ditos.

Entretanto, cá em cima na terra, a família do homem que era muito senhor da sua vontade, tendo começado por o ter dado por desaparecido, optara, por último, pelo luto carregado, não consentindo a entrada no quarto onde ele costumava dormir todas as noites.

Até que uma vez, quando ele já não acreditava no fim das covas, já não havia, de fato, mais continuação daquele buraco, parava exatamente ali, sem apoteose, sem comemoração, sem vitória, exatamente como um simples buraco de estrada onde se vê o fundo ao sol. Enfim, naquele sítio nem a revolta servia para nada.

Caindo em si, o homem que era muito senhor da sua vontade pediu-lhe decisões, novas decisões, outras; mas ali não havia nada a fazer, tinha esquecido tudo, estava despejado de todas as coisas, só lhe restava saber cavar com uma pá. Tinha, sobretudo, muito sono, lembrou-se da cama com lençóis, travesseiro e almofada fofa, tão longe! Maldita pá! 0 cágado! E deu com a pá com força no fundo da cova. Mas a pá safou-se-lhe das mãos e foi mais fundo do que ele supunha, deixando uma greta aberta por onde entrava uma coisa de que ele já se tinha esquecido há muito - a luz do sol. A primeira sensação foi de alegria, mas durou apenas três segundos, a segunda foi de assombro: teria na verdade furado a Terra de lado a lado?

Para se certificar alargou a greta com as unhas e espreitou para fora. Era um país estrangeiro; homens, mulheres, árvores, montes e casas tinham outras proporções diferentes das que ele tinha na memória. 0 sol também não era o mesmo, não era amarelo, era de cobre cheio de azebre e fazia barulho nos reflexos. Mas a sensação mais estranha ainda estava para vir: foi que, quando quis sair da cova, julgava que ficava em pé em cima do chão como os habitantes daquele país estrangeiro, mas a verdade é que a única maneira de poder ver as coisas naturalmente era pondo-se de pernas para o ar...

Como tinha muita sede, resolveu ir beber água ali ao pé e teve de ir de mãos no chão e o corpo a fazer o pino, porque de pé subia-lhe o sangue à cabeça. Então, começou a ver que não tinha nada a esperar daquele país onde nem sequer se falava com a boca, falava-se com o nariz.

Vieram-lhe de uma vez todas as saudades da casa, da família e do quarto de dormir. Felizmente estava aberto o caminho até casa, fora ele próprio quem o abrira com uma pá de ferro. Resolveu-se. Começou a andar o buraco todo ao contrário. Andou, andou, andou; subiu, subiu, subiu...

Quando chegou cá acima, ao lado do buraco estava uma coisa que não havia antigamente — o maior monte da Europa, feito por ele, aos poucochinhos, às pazadas de terra, uma por uma, até ficar enorme, colossal, sem querer, o maior monte da Europa.

Este monte não deixava ver nem a cidade onde estava a casa da família, nem a estrada que dava para a cidade, nem os arredores da cidade que faziam um belo panorama. O monte estava por cima disto tudo e de muito mais.

O homem que era muito senhor da sua vontade estava cansadíssimo por ter feito duas vezes o diâmetro da Terra. Apetecia-lhe dormir na sua querida cama, mas para isso era necessário tirar aquele monte maior da Europa, de cima da cidade, onde estava a casa da sua família. Então, foi buscar outra pá dos trabalhadores rurais e começou logo a desfazer o monte maior da Europa. Foi restituindo à Terra, uma por uma, todas as pazadas com que a tinha esburacado de lado a lado. Começavam já a aparecer as cruzes das torres, os telhados das casas, os cumes dos montes naturais, a casa da sua família, muita gente suja de terra, por ter estado soterrada, outros que ficaram aleijados, e o resto como dantes.

O homem que era muito senhor da sua vontade já podia entrar em casa para descansar, mas quis mais, quis restituir à Terra todas as pazadas, todas. Faltavam poucas, algumas dúzias apenas. Já agora valia a pena fazer tudo bem até ao fim. Quando já era a última pazada de terra que ele ia meter no buraco, portanto a primeira que ele tinha tirado ao princípio, reparou que o torrão estava a mexer por si, sem ninguém lhe tocar; curioso, quis ver porque era — era o cágado.

segunda-feira, 27 de outubro de 2008

O TEMPO QUE CONTINUA POR INAUGURAR

O século e o milénio
Ainda nem se notam
Apenas na falta de duas torres

É tudo igual
Os mesmos segundos cronometrados ao segundo
A mesma astronomia suburbana de cidades satélites
Os valores universais que sobem e descem na Bolsa
As paixões a queima-roupa
Com um poema feito por esticão

Nenhuma novidade
Continua a descoberta líquida de Marte
Enquanto os preços disparam em todas as direcções
E a pobreza se propaga em múltiplas frentes de combate

Aos Deuses das mesmas prerrogativas e incógnitas
Se roga via e-mail com uma password estritamente pessoal
Se suplica pela estabilidade dos mercados
Para se apostar nas novidades mais rentáveis
Aquelas com as quais se atinge o éden e o nirvana

Ninguém vive ainda no terceiro milénio
Porque o XIX continua a ser o século passado



14-8-2008

quinta-feira, 23 de outubro de 2008

Só de um fôlego

É claro que terei de meter os pés pelas mãos, o coração pela cabeça, os dias pelas palavras mais baralhadas, mais desconexas, porque as coisas são mesmo assim, enredadas umas nas outras, sem pontos de partida, com a morte ali, a fintar-nos em cada pestanejar, sem que possamos fazer-lhe frente, gritar agora não, ainda não, há contas a ajustar, há verdades para serem anunciadas, há assuntos por resolver e gritar tudo isso enquanto é tempo, enquanto as pessoas que conhecemos estão aí, vivinhas e de boa saúde apesar da idade, mas não é justo, basta adiar um dia ou dois, umas semanas até, caramba, não é assim tanto, para quem adiou até agora, era só mais um bocadinho, o tempo suficiente para referir algumas das características humanas muito particulares daqueles que, não nos sendo próximos, fazer parte de nós, das nossas circunstâncias, mas de repente abre-se o jornal e o nome aparece ali, com uma cruz, e lá se perdeu a oportunidade, que rasteira, assim não vale, os mortos, mesmo quando deixam tudo pela metade, ficam com todas as suas coisas muito bem concluídas, ao passo que a nossa memoria nunca se conclui em relação a eles, a todos os que vamos esquecendo porque a vida continua.

terça-feira, 21 de outubro de 2008

Chá de limão e um anti-gripe

Depois de inserir o PIN é preciso ter cuidado com o NIB para nunca se perder o estatuto VIP que ajuda na evolução do PIB.

No Natal, um termómetro digital!

sábado, 18 de outubro de 2008

Amizades II

Não compreendo o porquê da luz que entra em minha morada. A minha porta é tão estreita e mesmo assim, há pessoas que vêm e trazem-me mimos, oferecem-me a paciência dos olhos e dos ouvido, os seus anjos com açúcar. Como agradecer a vida?

sexta-feira, 17 de outubro de 2008

Silêncio imperfeito



Um segredo é dito, mas ninguém o ouve porque os olhos estão fechados para a frente. Já não há atenção aos pormenores de um rosto, de um frio que percorre a rua triste e deserta. Desconhece-se tudo. O entardecer espalha-se num fogo escuro.

terça-feira, 14 de outubro de 2008

Amizades

Ao virar da esquina:

— Ora viva, há tanto tempo!
— É verdade, quem diria, ainda na semana passada pensei em ti.
— Pois, sabes como é a vida, uma pressa danada...
— Se sei! Ainda agora venho a correr porque estou a tratar da papelada do meu carro novo.
— Oh, também tenho de chegar a horas ao ginásio. É preciso estar em forma e cuidar da saúde.
— Claro, basta pensar nos exemplos à nossa volta... Sabes do Andrade, não?
— Chocante, um tipo tão porreiraço e por causa do AVC já não anda nem fala.
— Um dia destes havíamos de ir lá fazer-lhe uma visita. Se bem que...
— Ok, depois, quando calhar, combina-se. É melhor deixar passar o Natal.
— Isso... Gostei de te ver, mas não posso demorar-me mais.
— Nem eu, adeusinho.
— Até uma próxima.

sábado, 11 de outubro de 2008

Anti-rugas

Descobri que, lá para o Natal, vou fazer 474 anos. Mas não aparento, deve ser por andar a respirar o ar puro dos montes!

quarta-feira, 8 de outubro de 2008

As minhas contas estavam certinhas

Socorro, andam a brincam com o meu nome! São eles... Que culpa tenho do pote ter caído?

segunda-feira, 6 de outubro de 2008

Deafness

Declaração de José Saramago à TSF sobre a polémica que o filme BLINDNESS causou nos EUA: "É uma associação de cegos que decidiu ter uma opinião sobre um filme que, infelizmente, não consegue ver".

Se não tivesse escutado, de viva voz e vivo ouvido, esta frase ao nosso Nobel, confesso que não acreditaria.

quinta-feira, 2 de outubro de 2008

Tostão furado

Uma banca-rota não se pode remendar, mas é preciso aproveitar todas as linhas e alinhavos, os fiapos até à última, conta-gostas vazio porque o mel foi coado do fundo, onde já nem há migalhas para contar a história dos míseros impérios e um zero absoluto será escrito numa pedra.

quarta-feira, 1 de outubro de 2008

Um peso insuportável

Para que tanta angústia em ganhar a vida? A bolsa cai e a morte deve ser leve.