segunda-feira, 29 de agosto de 2022

UM POEMA VAZIO


As pessoas vão e vêm pelas ruas

e a cidade está vazia

As janelas estão abertas

mas as pessoas sentem-se vazias

As árvores estão em flor

mas os pássaros vazios

não sabem onde bater suas asas

porque o céu é um vidro fechado

às rédeas altas do sonho


Ninguém sabe que as ruas estão vazias

porque todas as pessoas

têm os olhos vazios de tanto falar

e ninguém fala porque é feio 

falar com a boca cheia de palavras vazias


As pessoas dizem que não cabem na roupa

mas os braços caem das mangas

como navios à beira de um mar vazio

As mangas dão muito pano para o desespero

e o desespero deixa a boca vazia e amarga

como um mar caindo dos braços


As mães levam os filhos ao colo

e falam-lhes de um futuro vazio

Apesar disso

o futuro pesa nos olhos dos filhos

como uma ansiedade viva

que não se pode esquecer nem matar


A esperança enche as ruas desta cidade vazia

e as pessoas vão e vêm

enquanto aguardam o verde

ou o vermelho do destino

e ficam mudas de tanto esperar


quinta-feira, 11 de agosto de 2022

A SOLO

A carita que tenho é o que mais me desfeia.

Tirando isso, do pescoço para baixo, não se aproveita nada.

Talvez, lá no fundo, quiçá, possa haver um lado positivo...

Procurá-lo-ia se tivesse um busca-pólos.

Mas o melhor é não aprofundar muito o assunto.

Assim como assim:

Sei que há um buraco 

Na sola do meu sapato.


Sorte a minha, já tenho por onde fugir!


sexta-feira, 5 de agosto de 2022

UM FUTURO ATRASADO

As palavras não querem dizer nada

Quero dizer

As palavras não dizem aquilo que dizem

Dizem sempre aquilo que os outros ouvem  

Ou melhor

Aquilo que eles querem ouvir


Comunicar é dar

O que não sai de dentro de mim

O que falta à parte inteira do mundo


E nada falta


Porque todas as coisas estão vazias

Porque nada está por completar


E o futuro?


Não sei como continuar as minhas palavras

Não sei como concluir o meu pensamento


Não sei como inventar

Sem repetir o que trago na memória

Sem repetir as coisas que nunca fiz 


E o futuro

Porque nunca o é

Porque vem sempre depois

Quando já não estamos à espera?