sábado, 10 de dezembro de 2011

ARQUEOLOGIA DOS SENTIDOS



Haverá uma lágrima caída
No fundo mais fundo do mar
Estará dentro de uma ânfora partida
Que ninguém poderá resgatar

No alto mais alto dos montes
Naufragou uma arca que já não é
Por não haver botes salva-vidas
Uma humanidade ficou sem pé

Os corpos arrastam os seus passos
Por já não terem onde cair
Até os pássaros ficaram sem dinheiro
Não há mais penas para fingir

No escuro mais secreto dos dias
Será dito um Verbo antigo
Pois se o futuro ainda não se inventou
É dele que virá o verso prometido

domingo, 13 de novembro de 2011

NÚMEROS DE POLÍCIA



É sempre a mesma rua que encolhe os ombros
Porque não sabe as suas sombra nem as portas
Que tem de guardar dentro dos seus olhos de asfalto

Todos os dias faz a chamada por ordem alfabética
Gémeos, Loba Maior, Peixes, Sagitários...
De Vénus à Praça dos Conquistadores
Há cinco quilómetros de palavras
E tudo é mesmo ali ao virar de um ano-luz
Com os candeeiros públicos sempre acesos
Além de um rés-do-chão para cada morte

É sempre na mesma rua que nascem os pássaros
Com as suas gaiolas penduradas nas orelhas das nuvens
Não há asas mais abertas do que as das pedras

A rua não dá qualquer informação
A quem quer chegar ao centro do universo
Nem se importa que os anjos andem perdidos

Ao fim e ao cabo a rua segue em frente
Em direcção a todas as coisas que ainda não existem



sábado, 24 de setembro de 2011

AS MINHAS PROEZAS MAIS ASSINALADAS



Arrisco em qualquer labirinto
Desde que tenha uma porta sempre à mão
Caminho sobre os precipícios de olhos vendados
Só preciso de duas moscas que me levem pelos ombros
Mergulho nas nuvens mais perigosas e movediças
Com um pára-raios na cabeça nunca perderei a maré

Faço com a minha escrita toda
Um ninho para a proliferação de gatos e sapatos
(deixo apenas um poema de fora para poder respirar)

Suporto tanto a loucura como o juízo
Que se pronunciam em pública sentença

Atiro tiros e granadas contra os espelhos blindados
Mas defendo-me com os espirros do meu nariz
Por entre os nós que me estão cravados na pele
Vou sentindo os meus embates mais cardíacos
Escondo-me na porta furada pelo bicho
E aqui fico até que o fruto comece a crescer

terça-feira, 6 de setembro de 2011

TONTURAS


É tão fácil sentir uma montanha russa

basta uma parede que tomba de um lado para a outro
um chão que não se segura em pé nem por nada
um sinal de stop que anda à roda sem querer parar
uma pedra que tropeça por estar distraída a pensar
uma escada que cai nos seus próprios degraus
um mar que mergulha e se afoga de repente

quinta-feira, 18 de agosto de 2011

SEM SUBTERFÚGIOS

O que se procura quando se escava
na raiz do silêncio?
O futuro vem à superfície
sempre que se inventa uma ideia.
Não há nada mais apertado do que a pele
que nos cobre da cabeça ao coração...

Todas as coisas que existem
estão tão perto,
basta cruzar os braços
para se atar uma ponta azul de mar
à ponta mais frágil do deserto.

Tudo é tão explícito
que mesmo o sol mais disfarçado
salta logo à vista de quem o quiser apanha!

Não há onde esconder as mãos
e a pedra que se atira
sai sempre do mesmo bolso.

sábado, 11 de junho de 2011

DESCONFORTO


aos sábados as janelas põem a língua de fora
mostrando ao sol as amígdalas vermelhas dos tapetes
que espirram muito por causa da alergia ao pó

aos sábados as flores são estranguladas
enquanto se muda a água do relógio
e se dá corda ao tédio
porque é dia de arejar as palavras
de abrir as cortinas do sono mais pesado

mudar as sombras e fazer as camas de lavado
perfumar a roupa mais habitável
não esquecer os peixes e os copos de vidro
a fruta morta no cesto amargo
sem teias escondidas nos cantos do mundo
as almofadas viradas do avesso
a consciência cheia de sumaúma

mas
com as cadeiras fora das suas posições
e todos os sítios fora de sítio
já não há lugar para poisas os olhos

terça-feira, 24 de maio de 2011

antes de voarem
os pássaros têm um subterrâneo dourado
junto às pupilas
depois disparam lágrimas contra a luz
ficam pesados com tantos satélites



cristina néry
e
regina

terça-feira, 5 de abril de 2011

BOA NOITE



Não mato a cabeça quando penso
A cabeça não é coisa que se gaste como se fosse água
Ou gás
Nem se queima como acontece com as lâmpadas

A cabeça é uma boa ferramenta de trabalho
Só é preciso fazer os movimentos certos
E ter cuidado para as ideias não cortem os dedos

Mais do que uma ferramenta de trabalho
É um instrumento de precisão
Tal como um bisturi ou um míssil

Penso que não mato a cabeça quando penso
Mas para prevenir qualquer engano não penso muito
Dá-me jeito ficar assim
Com os neurónios parados

Quando anoitece as janelas apagam-se
Para que possamos adormecer à vontade
Conforme as figuras geométricas se vão partindo
E não haja nem mais uma linha curva
Para pôr em cima dos joelhos e aquecer

esquecer
escrever

sábado, 12 de março de 2011

UM PASSO EM FRENTE

Quando os óculos acordam do seu sono crepuscular
As pontes ficam mais altas e traiçoeiras
O céu parece que abana por cima das nossas cabeças
E é difícil encontrar o equilíbrio entre o leve e o profundo
Porque todos os alicerces têm buracos cósmicos
Onde a luz se perde quando se quer ultrapassar

Já perdemos o rumo das estrelas submersas
Agora é ir e escolher as melhores fotografias
Pois o coração já tem um óptimo formato digital
Que até pode captar os dias que estão por fazer

Uma sensação de impaciência
Enche-me o guarda-chuva de mosquitos
Não sei por onde começar as nuvens
Que tenho de construir para amainar o vento

Tudo é mais fácil do que abrir uma janela

As palavras fecham-se por dentro
Para não serem apanhadas em flagrante
E ninguém possa escrever sem as pesar nas mãos

segunda-feira, 14 de fevereiro de 2011

PORQUE ÀS VEZES NÃO HÁ MESMO PALAVRAS...





... e as que existem são demais

terça-feira, 25 de janeiro de 2011

A VERDADEIRA MENTIRA

   
Chega de verdades: Quem me diz a mentira do mundo?
Não quero segredos
Dêem-me o veneno e a seta duma vez
Que o ar é para sufocar quem respira
Isso já sei
Que o mar tem portas no fundo
Por onde se escondem os Deuses incomunicáveis
Também o suspeito
Que há outra Lua para além das quatro fases
E outro deserto que não este, tão coberto de alucinações
Não é novidade
Mas quem me diz a mentira libertadora,
Aquela que há-de acordar as pedras?


segunda-feira, 17 de janeiro de 2011

ESPERANÇA

A luz ao fundo do túnel

segunda-feira, 10 de janeiro de 2011

EIS A QUESTÃO

a madrugada acorda em cima do rosto
e os vegetais perfumados pelos insectos
assustam-se com o silêncio que se ilumina


a madrugada abre-se em flor em cada sílaba
pesa tanto o espanto dos músculos
de repente a memória toda
no caderno com 365 folhas numeradas
na voz afogada no fundo de água


a madrugada vem sem um passo atrás
mas logo a indecisão
cair ou voar?