segunda-feira, 31 de agosto de 2009

O POLEIRO

É preciso ter galo para aturar um galo armado de galo. Este é de crista altiva e deve ser biologicamente anacrónico porque canta como se desconhecesse as vicissitudes dos tempos actuais, dos telemóveis impiedosos que nos ladram ao milésimo de segundo e nos puxam pelos ossos do oficio. Mas se o galo insistir muito, vai ao forno. Nem os ossos vão ficar para contar a história da humanidade.

Mal por mal, prefiro um pavão a anunciar chuva.

quinta-feira, 20 de agosto de 2009

EM VOGA

E o amor, esse, ainda se usa?
Claro que sim, mas ao desbarato

Em mensagens de 5 cêntimos por segundos.

Continua ridículo como sempre, embora já ninguém se importe

Pois as coisas esdrúxulas tornam-se demasiado enigmáticas.

Sinais do progresso!

smile e I
you para todo a vida
(Que é como quem diz, até a próxima esquina

se tanto...) Depois esquece-se porque estas coisas são mesmo assim,

Umas vezes incapacitam o nervo óptico

Outras vezes inspiram agudas artes, tipo loucamente e etc.

Com pouca vontade, mais para se ver do que para ser.


Amor sim, de todas as medidas, incluindo o XL

Próprio para pessoas de grande porte e maior estilo,

Que a figura também conta para as contas…


Em períodos de grandes achados arqueológicos

É preciso escavar e remover todos os pontos negros da pele,

É preciso um carbono 14 para distinguir as datas inexactas

Do amor que se encontra de repente, quer dizer,

Usando a fragrância certa: ora picante, ora fresca...


Em épocas de grandes tratados internacionais

É fácil sair de órbita, basta acertar no amor

E nos números até às dezenas de milhar,

Porque mil emoções não preenchem o vazio do ar.


É fácil gritar o amor que ninguém sabe.





terça-feira, 18 de agosto de 2009

Pensamento às 15:15

Só quando se é extremamente lúcido se vive no pavor da loucura.

sábado, 15 de agosto de 2009

Os sonhos dos outros

Detestaria
  • Fazer um safari (seja em África ou onde for)
  • Passar férias numa ilha paradisíaca (numa outra, até podia ser)
  • Andar do gôndola em Veneza (preferia os moliceiros)
  • Viajar no Expresso do Oriente (ainda existe?)
  • Assistir a um “arraial” do Toni Carreira
  • Aparecer na televisão fosse por que motivo fosse

SÓ QUERIA MESMO ERA IR APANHAR AR FRESCO...

quinta-feira, 13 de agosto de 2009

Insondáveis



Peixes, 20 de Fevereiro a 20 de Março
Planeta Regente: Neptuno – Modo: Mutável – Elemento: Água

Profissão; Grandes e novas oportunidades caracterizarão esta semana. Aproveite muito bem tudo o que lhe surgir. No entanto, deve analisar todas as propostas para que não corra riscos por excesso de optimismo.
Social; Os seus relacionamentos de ordem social deverão caracterizar-se por algum afastamento e poderá inclusivamente sentir a necessidade de se isolar. Aproveite este período para se auto-analisar e tente corrigir alguns aspectos de ordem pessoal.
Finanças; Semana um pouco complicada em matéria de dinheiro. Algumas dificuldades poderão perturbar o seu equilíbrio emocional. Despesas já esperadas serão motivo de alguma preocupaç
ão.

Sentimental; Semana que poderá caracterizar-se por um grande encantamento. A sua sexualidade está em alta, saiba tirar partido deste aspecto. As noites convidam ao romance. Aproveite bem o seu relacionamento sentimental.



Se estas calinas e surtidas astrologias são desacreditadas pelos próprios fabricantes, como é possível que tantos cardumes se deixem levar pelo engodo? O truque só pode estar nas frases feitas com tão ajustadas medidas que cabem à justa em qualquer chapéu ou cabeça. É obra!

terça-feira, 11 de agosto de 2009

Não era preciso tanto

Não há frio que não dê em Verão de abafar, até os peixes transpiram.

segunda-feira, 3 de agosto de 2009

Luar de Agosto


Até na minha aldeola as portas e janelas têm de se manter trancadas em pleno dia e nem assim adianta, desconfia-se de quem não tem boa pinta, os cães bem se fartam de ladrar, mas os alarmes adiantam pouco quando são activados por nada, só ficam a fazer barulho durante muito tempo. Nem a Igreja escapa aos sinais dos tempos, fechada a sete chaves, lá está, virada para o vale do campo, é o sitio mais sossegado para ver o mergulhar do sol, embora suspeite que também seja um canto recatado para outros desesperos, quem sabe, agora já não há o conhecimento familiar até à quinta geração, já não há a cumplicidade dos vizinhos. Se alguém bate à porta é preciso todo o cuidado e só depois é que se recebe de regaço para regaço os primeiros cachos, os figos pingo de mel, tudo, numa troca recíproca de pessoas que sempre foram umas das outras, Amélia do Pereiro, Manuel do Gama, Quitas do Boiça. As noites deste Verão estão demasiado frias, ainda nem apeteceu ficar à janela e durmo porque está muito bom para dormir.

sábado, 1 de agosto de 2009

Poema visual

CHUVA OBLIQUA

O maestro sacode a batuta,
E lânguida e triste a música rompe...
Lembra-me a minha infância, aquele dia
Em que eu brincava ao pé de um muro de quintal
Atirando-lhe com uma bola que tinha dum lado
O deslizar dum cão verde, e do outro lado
Um cavalo azul a correr com um jockey amarelo...
Prossegue a música, e eis na minha infância
De repente entre mim e o maestro, muro branco,
Vai e vem a bola, ora um cão verde,
Ora um cavalo azul com um jockey amarelo...
Todo o teatro é o meu quintal, a minha infância
Está em todos os lugares, e a bola vem a tocar música,
Uma música triste e vaga que passeia no meu quintal
Vestida de cão tornando-se jockey amarelo...
(Tão rápida gira a bola entre mim e os músicos...)
Atiro-a de encontro à minha infância e ela
Atravessa o teatro todo que está aos meus pés
A brincar com um jockey amarelo e um cão verde
E um cavalo azul que aparece por cima do muro
Do meu quintal... E a música atira com bolas
À minha infância... E o muro do quintal é feito de gestos
De batuta e rotações confusas de cães verdes
E cavalos azuis e jockeys amarelos...
Todo o teatro é um muro branco de música
Por onde um cão verde corre atrás de minha saudade
Da minha infância, cavalo azul com um jockey amarelo...
E dum lado para o outro, da direita para a esquerda,
Donde há arvores e entre os ramos ao pé da copa
Com orquestras a tocar música,
Para onde há filas de bolas na loja onde comprei
E o homem da loja sorri entre as memórias da minha infância...
E a música cessa como um muro que desaba,
A bola rola pelo despenhadeiro dos meus sonhos interrompidos,
E do alto dum cavalo azul, o maestro, jockey amarelo tornando-se preto,
Agradece, pousando a batuta em cima da fuga dum muro,
E curva-se, sorrindo, com uma bola branca em cima da cabeça,
Bola branca que lhe desaparece pelas costas abaixo...




Fernando Pessoa