terça-feira, 26 de fevereiro de 2013

A BOCA DO CORAÇÃO

Teresa G.

Já quase nada me acorda.
Mas juro que não sonhei
Quando vi o avião a voar para trás.
Aconteceu isso várias vezes,
Durante algumas tardes consecutivas.
Ainda tentei partilhar a minha visão
E apontava com o dedo: Ali, ali...

Depois aconteceu a morte, a minha primeira morte.

Não sei o que me aperta a alma, o pescoço, as paredes...
Estou surda e só a chuva me alivia, é como um beijo.

Bebo café para não acordar enquanto durmo.
Poderia haver um violino que tocasse para trás.

Eu sei, para trás não há dias
Porque o relógio continua
Mais ou menos nas quatro menos um quatro.
Tudo sem corda e sem funcionar:
A casa, o jardim, o quintal...

Não sei quanto metros quadrados tem um hectare
Passo demasiado horas na cama e no facebook
Também jogo muito, muito, muito... mas sem vontade.

Às vezes escrever é a coisa mais fácil,
Outras vezes tenho de aceitar
O pão, o vinagre e os espinhos.

sexta-feira, 22 de fevereiro de 2013

MÚSICA SALGADA


Pela boca morrem os poetas.
Autofágicos de si,
Engolem-se com um impulso asfixiado de nicotina,
Ferem-se com as escamas das próprias palavras.

E as palavras caem, uma a uma,
Gota a gota, na página agonizante do tempo.

Ai poetas, poetas...
Que na pele seca dos vossos corações
Seja rasgado o sopro de uma harpa
Que, rugindo alto, nas goelas do vento,
Passe por entre as rochas mais ásperas,
Mais pesadas de labirínticas tatuagens...

Mas seja aí, nessa pétrea nudez
Que as azáleas mais etéreas se libertem.

Que nada vos impeça nem do sangue nem da fala,
Respirem fundo até depurar completamente
O vício afiado dos vossos olhos taciturnos
Que de tanto vaguear, perdem o mapa secreto das ruas.

Pela loucura se substanciam os poetas.
Autóctones de si,
Procuram-se por dentro,
Afogando-se no tumulto torácico
Em que um diafragma de guelras se agita
Num bater de ondas e de pensar.