É claro que terei de meter os pés pelas mãos, o coração pela cabeça, os dias pelas palavras mais baralhadas, mais desconexas, porque as coisas são mesmo assim, enredadas umas nas outras, sem pontos de partida, com a morte ali, a fintar-nos em cada pestanejar, sem que possamos fazer-lhe frente, gritar agora não, ainda não, há contas a ajustar, há verdades para serem anunciadas, há assuntos por resolver e gritar tudo isso enquanto é tempo, enquanto as pessoas que conhecemos estão aí, vivinhas e de boa saúde apesar da idade, mas não é justo, basta adiar um dia ou dois, umas semanas até, caramba, não é assim tanto, para quem adiou até agora, era só mais um bocadinho, o tempo suficiente para referir algumas das características humanas muito particulares daqueles que, não nos sendo próximos, fazer parte de nós, das nossas circunstâncias, mas de repente abre-se o jornal e o nome aparece ali, com uma cruz, e lá se perdeu a oportunidade, que rasteira, assim não vale, os mortos, mesmo quando deixam tudo pela metade, ficam com todas as suas coisas muito bem concluídas, ao passo que a nossa memoria nunca se conclui em relação a eles, a todos os que vamos esquecendo porque a vida continua.
8 comentários:
Querida, já não te proibi de leres a página da necrologia? Ou foi ao teu pai? Não me digas que lhe apanhaste a mania?
Andaste a ler o Zezito? (Saramago, claro)
Tou lixada. É muita letra e muita vírgula junta.
Pois, concordo com a Blimunda, mais valia ler os anúncios de massagens. Caneco moça!
Não queres ir ao yoga comigo? Talvez perdesses um cadinho essa pedalada toda!
Ai...
Agora a sério, fiquei a matutar naquilo que tu escreveste. É bem verdade que a nossa memória nunca se conclui em relação a eles. Só se enreda cada vez mais, e no esquecimento pinta-os de outras cores. E nos sonhos os mortos nunca morrem. Estão num limbo estranho entre a vida e a morte marcada. Estranho, né?!
Ainda cá voltei, caíram-me agora os olhos na página da necrologia.
Como é possível que já tivesse 83 anos, era tão nova naquela altura, e foi há tão pouco tempo.
Tenho a certeza que aquele ar decidido e ao mesmo tempo pachorrento não mudou...
Desculpem lá, Jardineira e Mofina, mas mt antes de a conhecerem, conheci-a eu.
Da minha memória de puto registo que, na altura, não era assim tão nova!!
Bem, comparando-a com as meninas da minha idade, da mesma altura.
Em boa verdade, teria 45 anos.
Como era baixota e com aquele ar de refilona, parecia ter ainda mais.
Também não deixa de ser verdade que foi a única contínua de que tenho memória. Nem sei qt mais havia...
Nova para morrer, Jg. E como nós saímos daquela escola há tão pouco tempo nada deve ter mudado…
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