sábado, 28 de novembro de 2009

DO SILÊNCIO

já não há gatos suspensos nos telhados da Babilónia
só monte Fuji e Kodak

e do Evereste nem alpinistas a tiracolo

nem budistas em banhos turcos

que passam as horas a furar os ouvidos na sua meditação

talvez transcendental

talvez do Nepal

talvez sentados como pedras adormecidas

e nessa atitude descobrir o fundo das palavras sem fundo

num espelho

quarta-feira, 18 de novembro de 2009

O BATER DAS HORAS

O relógio bate sempre nas horas mais inconvenientes
nas horas das sombras sobre as pálpebras

bate dentro de nós

com os seus nós de madeira

bate para afugentar o azar e o sono



São horas de abrir o vidro das colmeias

porque há uma consciência muito alimentada a pão

e a medo


Todas as culpas mordidas pelo mesmo dente


São horas de arrefecer os olhos

uma

duas

três

quatro e um quatro


Todos os músculos perdem a força

O pêndulo já não sabe se bate para trás ou para a frente


Na verdade, não existem nuvens silvestres

cinco

seis


noite e meia sem intervalos


Neste momento é preciso intervir a favor dos desertos

e dos prados

e dos moinhos

e dos monges do Tibete

e das águias reais

e dos segundos esquecidos


A fome dá sete badaladas na torre

domingo, 8 de novembro de 2009

QUANTOS CRUZEIROS E COLCHÕES ORTOPÉDICOS!

A minha mãe é mais velha do que eu, ainda assim, tenho de a proteger porque ela ainda tem medo da chuva, do vento, da trovoada...

Só se defende muito bem é ao telefone. Seja qual for a proposta ou oferta, responde que não precisa de nada porque já tem tudo. E desliga.

sábado, 7 de novembro de 2009

FILOSOFIA SEM PEDRA

As mães têm sempre razão, especialmente por serem mais velhas do que nós.

quinta-feira, 5 de novembro de 2009

SONHOS ACANHADOS

Lembro-me do meu vizinho. Sapateiro duas vezes por ano, no máximo, porque o combate corpo a corpo e verbal que ele mantinha com os pregos, o martelo e o alicate era deveras extenuante. As ferramentas eram todas insultadas por demais, mas mesmo assim teimavam, ora caindo das mãos, ora ficavam escondidas dentro dos próprios bolsos ou debaixo dos pés.

— Ah danadas, vocês vão ver quem manda!

A luta era tão intensa que não podia ser prolongada por mais de dez minutos. Assim, umas meias solas só ficavam prontas ao fim de um mês e tal, para a impaciência dos fregueses que ainda reclamavam do preço alto e da obra mal feita.

O meu vizinho queria lá saber, dedicava a vida a uma causa para ele muito mais importante: O funcionamento dos serviços de correio. Assinava jornais diários e semanais só com o propósito de ver se a correspondência chegava à hora certa. Um atraso, por mais insignificante que fosse, dava logo mote para ele ir para a rua anunciar:

— Não hei-de morrer sem um posto dos correio aqui na terra.

E não. O dia em que um posto dos CTT abriu, apesar de provisório e sem nenhumas condições, o homem sentiu-se com certeza um herói.

Não me lembro é se morreu antes ou depois da grande, moderna e verdadeira estação que agora existe ser inaugurada. Algo com a qual nem ousou sonhar.