quinta-feira, 5 de novembro de 2009

SONHOS ACANHADOS

Lembro-me do meu vizinho. Sapateiro duas vezes por ano, no máximo, porque o combate corpo a corpo e verbal que ele mantinha com os pregos, o martelo e o alicate era deveras extenuante. As ferramentas eram todas insultadas por demais, mas mesmo assim teimavam, ora caindo das mãos, ora ficavam escondidas dentro dos próprios bolsos ou debaixo dos pés.

— Ah danadas, vocês vão ver quem manda!

A luta era tão intensa que não podia ser prolongada por mais de dez minutos. Assim, umas meias solas só ficavam prontas ao fim de um mês e tal, para a impaciência dos fregueses que ainda reclamavam do preço alto e da obra mal feita.

O meu vizinho queria lá saber, dedicava a vida a uma causa para ele muito mais importante: O funcionamento dos serviços de correio. Assinava jornais diários e semanais só com o propósito de ver se a correspondência chegava à hora certa. Um atraso, por mais insignificante que fosse, dava logo mote para ele ir para a rua anunciar:

— Não hei-de morrer sem um posto dos correio aqui na terra.

E não. O dia em que um posto dos CTT abriu, apesar de provisório e sem nenhumas condições, o homem sentiu-se com certeza um herói.

Não me lembro é se morreu antes ou depois da grande, moderna e verdadeira estação que agora existe ser inaugurada. Algo com a qual nem ousou sonhar.

4 comentários:

mac disse...

E o home conheceu o e-mail?

privada disse...

Imagino o tipo no ceú :
- Vês, ora olha ali para baixo, carago, estás a ver aquela monumental estação de correios? Foi graças à minha ideia que ela se construiu.
- Ora, ora cartas, correspondencia, se fosse um centro de poesia....

Respondia enfonado o carteiro do Neruda!

:-)))) Tá boa Mofina, agora percebo porque é que na cozinha tudo me caí ao chão. Abrç

* hemisfério norte disse...

ah....tão aterefada a menina Mô

:)

se o posto dos correios fosse como o de madrid, aí sim ele caía do seu banquito, incrédulo

bj
:)
a.

Blimunda disse...

O primeiro era o que ficava ao pé da capela ou houve outro?