segunda-feira, 28 de maio de 2007

O TÉDIO

No princípio era o tédio. O tédio foi e será o princípio e o fim de todas as coisas. O cúmulo do tédio é a acção. Pelo tédio é que vamos. E chegamos. E voltamos a partir. Tudo acontece por causa do tédio. O dia e a noite. A voz e o silêncio. O fogo e a chuva. O apogeu e a derrota. As civilizações e as utopias. O tédio é esta vontade de trocar o Sul pelo Norte, de navegar para além de todas as estrelas, de inventar o futuro. Foi assim, por não poder mais, que os olhos se ergueram do chão e tomaram a medida do horizonte. Foi também por causa desta extenuante fatiga, que os passos do homem nómada se detiveram no crescente fértil e ali fincaram as raízes da história que havia de acontecer. E aconteceu a roda, o tear, o arado. Aconteceu o pensamento. A Terra foi colocada no centro do universo. O mar abriu-se para além de fim do mundo. E a Terra que já foi redonda, voltou a ser plana e plena outra vez. E ficou coberta pelas sombras da guerra, do ódio, da fome. Aconteceu a velocidade, o abismo, a energia. A desintegração do átomo, a contagem decrescente, os sonhos fora de órbita. E sempre o mesmo nada nas coisas que enchem o mundo, a mesma procura, o mesmo tédio. O bocejo infinito que não se conforma com a morte. O corpo que adormece e fica naufragado. Os olhos que de tanto ver, já não sabem olhar. A indiferença com que mandamos tudo pelos ares, com que rasgamos os mapas e desenhamos outros caminhos. É essa entediante indiferença que nos faz correr, ávidos de curiosidade, sempre que acontece uma boa desgraça, porque tudo vale, desde que nos desperte, desde que nos active a emoção. Não há nada além do tempo e do esquecimento. Não há nada de novo, mas ainda assim, se espera pela notícia de última hora. Aquela que anunciará e vinda do verdadeiro Messias, a descoberta de novos continentes escondidos no interior da Terra, a chegada dos seres mais inteligentes do Universo, no meio dos quais estará, não o marciano verde, mas o clone triste da nossa triste figura, a alma da nossa alma. E a notícia que era notícia de última hora, repete-se todas as horas e só se interrompe para os compromissos publicitários, para uma Coca-Cola já nada capitalista. Que fracasso! Não há nada que nos console mais do que as falsas informações, aquelas que aumentam para mil o número oficial dos desalojados desta vida. Não há nada que nos estimule mais do que acrescentar números aos números. A vida é um boato, boato que nos faz crescer e multiplicar. Que nos faz morrer de tanto tédio. Porque o pensamento é um exagero que, de tanto aumentar, já não inventa nada. Agora que o Universo aconteceu, ficamos à deriva num futuro que se adia constantemente, em cada segundo que passa.

9 comentários:

Magri disse...

Olá Mofina!
Grande escritora!

Deixaste aqui um excelente texto, com forma literária e conteúdo a convidar a uma reflexão profunda.

Ainda tenho que ler outra vez, mas da 1ª leitura ficou-me a ideia de que é preciso descer ou mesmo tocar o fundo (o tédio) para novamente subir (talvez ainda mais alto).
Mas ficou-me também uma impressão de desancanto e pessimismo, principalmente no final do texto.
Podes ter razão, mas eu ainda quero conservar algum optimismo, quanto mais não seja pela minha saúde mental.

Beijinhos.

jg disse...

O que a mudança de visual de um blog pode fazer por ti...

Joana disse...

não é a mudança que faz, é a vontade de sair do tédio!

Amei! transmites por palvras um pouco de cada um de nós, que vive de tédio, a sair do tédio, a enterrar-se de novo... em tédio.

o futuro não passa de momentos passados já vividos e por isso ó que tu chamas tédio é a penas a existência deste mundo, das marionete que somos nas mãos do incompreensível.

bjinhuxxx

Bom fim de semana!

Capitão Merda disse...

A vida é um boato?!
Nunca tinha pensado nisso, mas é capaz de ter razão.
Vou passar a ter cuidado com a minha própria existência...

teresa g. disse...

Bem, prometo que não vou iniciar mais nenhuma batatada, mas quando estiver com os neurónios mais fresquinhos acho que vou contrariar a tua tese. (Não sei é quando é que isso vai acontecer, porque este fim de semana vai ser a festa anual cá do burgo, com direito a mordomia - cravaram-me - e cornetas a debitar música, ou melhor, barulho pimba a todas as horas do dia - Socorro!!!)

Bem, voltando à tua tese, só uma coisica: então a nossa lufa-lufa, corre-corre devia resolver todo este estado de coisas, uma vez que temos a noção/ilusão de que tudo o que fazemos é de suprema utilidade e sem elas a terra não gira. Portanto isto é não-tédio, certo? Então porque é que o resto não fica automáticamente resolvido? Embora tu digas que o cúmulo do tédio é a acção, mas nesse caso o que é o não-tédio?

Bem amiga, quanto mais me apetece vir para aqui cavaquear menos tempo tenho para isso! Ando numa lufa-lufa que nem te conto. (Andarei a contribuir para resolver os males do mundo? Não me parece:) )

Em relação aos livros: não me lembro se cheguei a começar 'A brincadeira' mas comecei vários outros livros dele e não acabei. Sempre tive a sensação que aquele é um daqueles autores que escreveu um livro genial e os outros não passam de uma sombra desse. Mas não sei, talvez não fosse a altura para os ler.

Uma das coisas que gosto na Arundhati é que ela teve a coragem de não escrever mais nenhum romance à sombra daquele, porque não tinha outro romance para escrever, e não se quis aproveitar do sucesso. E no entanto ela escreve coisas muito interessantes, li um ensaio dela sobre a corrida ao armamento entre a Índia e o Paquistão muito interessante. Acho que ela é muito lúcida e não se prende nunca a lugares comuns, nem posições politicamente correctas.

Ena, o tamanho do comentário deve ser para competir com o do teu post!

Beijinhos!

Magri disse...

Agora é só para te desejar um bom fim de semana... sem tédio.

Beijinhos.

Mofina disse...

margri:
Também sou optimista e em excesso. Por isso, tento lidar com a realidade de olhos abertos. Nessa realidade não existe nenhuma escritora. Credo! Sobretudo nesta altura que há tantas favas e ervilhas para descascar...

jg:
Fiquei sem saber de a mudança foi para melhor ou para pior. Mas não me esclareças, please!

baixinhaaa:
Isso, isso, isso. Mas tem de haver uma saída, acredita.

capitão:
Bem-vindo!
Quanto aos boatos, não se preocupe porque, a maioria deles, são muito bem fundamentados.

jardineira:

a) Uma proposta — Vamos fazer uma corrida de neurónios? Aposto tudo em como ganhas.

b) Não contrariaste a minha tese, pelo contrário, reforçaste-a.

c) Andarás a contribuir para a resolução dos males do mundo? Mas tens alguma dúvida? Contribuis sim senhor, nem tens outra alternativa!

teresa g. disse...

Esta resposta merece uma resposta com calma e de neurónios mesmo frescos. Acontece que hoje a barulheira continua. E logo à noite também. E aqui eu, preciso dos poucos que ainda funcionam para dar um empurrãozinho ao trabalho, senão estou lixada.

Concluindo, Mofina, a nossa discussão fica em stand-by, até que venham dias mais sossegados!

Beijinho, boa semana!

teresa g. disse...

Porque, não sei se expliquei, estes gajos fazem barulho até às tantas da noite, aqui mesmo ao pé de casa. Por isso é que ando falha de sono e cheia de vontade de cortar uns fios!