segunda-feira, 24 de março de 2025
domingo, 23 de fevereiro de 2025
ILUSÃO EÓLICA
Despenha-se a rocha desnuda
Acaricia-a a sinuosa mão eólica
Com um murmurar de pele
Lábios de vespa amorosa
Angular permanece a pedra
No cúmulo suspenso da boca
domingo, 12 de janeiro de 2025
SEGREDOS AINDA EM FLOR
Anda comigo, põe o céu na mochila
Junto ao pote com doce de frio
Eu levo a vida já cortadinha às fatias
E uma toalha toda feita de chuva
Para estender no abrigo de pássaros
Vamos passear olhando pela janela
Pedir boleia às meias de lã
A partir de agora, sabes bem
Os barcos estão bem guardados
Todos cobertos em papel de rebuçado
Podemos fazer e desfazer
Dançar palavra por palavra
Ou esquecer
Leva-me, sou nó quase solto
Na ponta do lenço esvoaçado
domingo, 1 de dezembro de 2024
VOLTEI À VIDA
Uma pedra
No murmurar das pedras
Encravada
Tresloucada
Desalmada
Danada
Afiada pelos dentes de negros gritos
Dor víbora
Mordendo o sangre
Veneno fel queimado as noites
Os dias com longos os meses
A vida parada
A vida fora da vida
Corpo dentro das goelas da morte
No murmurar das pedras
Uma pedra
Pedra de cálculo errado
Finalmente reduzida a zero
E o meu poema volto
domingo, 21 de julho de 2024
FUMO-TE
![]() |
Liliana Ferreira CRU - corpo (im)perfeito https://www.instagram.com/cru_ocorpoimperfeito/ |
Quem sou?
Estava mesmo à tua espera. Ainda esta manhã engoli um café à pressa para não perder tempo em viagens inúteis.
Somos os únicos habitantes dos nossos próprios corpos?
Comprei todos os bilhetes para Las Vegas. Após a nossa chegada, todas as portas serão automaticamente fechadas. Teremos uma cidade inteira por nossa conta.
Quem me habita?
Ninguém quer partir os braços. Ninguém quer acordar dentro de um avião sem marcha atrás. Ninguém quer ficar sem fôlego enquanto corta as unhas.
Posso pedir um favor?
Não. Concedo-te apenas três posições: vertical, horizontal e escondida.
Já cresci muito além da minha própria vontade.
Falo muito.
Muito, quanto?
Calculando por alto, falo vinte mil músculos por segundos.
Todos os habitantes de Londres foram criados à nossa imagem e semelhança.
Sabes a que horas exatas podemos fugir destes corpos?
Calculando pela velocidade do vento, que hoje é de noroeste, falta pouco.
Pouco, quanto?
Já comecei a tossir nuvens altas, repara, dás-me volta à cabeça. Quero ficar só! Preciso estar só!
Fumas-me?
Sempre, sem arrependimento, as minhas mãos gritam por ti...
segunda-feira, 8 de julho de 2024
O RESPIRAR DAS PEDRAS
Tem negócios antigos, a morte
Nua e crua
Entra-nos pelo umbigo
Uma gota por dia
Ou talvez esteja escondida
No rodapé velho do corpo
De onde os barcos são os primeiros a fugir
Ou a deixar para trás todas as pedras:
Elas que respirem!
Sufocamos com a subidas das marés
segunda-feira, 20 de maio de 2024
IDIOMAS CLANDESTINOS
Não ouço o que pensa a minha cabeça
Tenho uma surdez afinada pelo toque dos dedos
E toco no escuro pendurada pelas patas
Como os morcegos e as cabras cegas
Lanço ecos que se repercutem
Lá para o fundo dos meus olhos apagados
Os mosquitos por cordas devolvem-me algum sangue
Um RH de uma linhagem mais azul do que positivo
Sei que só os barcos têm lastro suficiente
Para não tombarem dentro do peito dos céus
Se um sol em contramão
Abalroar a proa alta da minha renúncia
Outra serei eu, a que só se ouve por dentro
Sem atlas
Sem corpo
Sem artilharia pensada
Mato o peso ocioso das palavras
Queimo-as em labaredas altas
Em linhas de fogo e atrevimento
domingo, 14 de abril de 2024
DENÚNCIA ANÓNIMA
Quando as facas beijam o nó do pensamento
Há dores que espirram e bocejam pelo nariz
Apontando a torto e a direito
Para todos os actos de amor
Perpetrados contra um tipo de solidão ilícita
Contra os malmequeres de biqueira de aço
Contra as nuvens que se vendem a preço da chuva
Há dores agudas como gritos de morcegos
Amor cego que se ouve à distância
E se vai afastando sempre lentamente
Porque é mais leve morrer do que calar
quinta-feira, 22 de fevereiro de 2024
A DOENÇA DAS PONTES TORTAS
Quando penso fico às escuras
Nem as mesinhas de cabeceira
Funcionam como antes
Já não há pulsos a vapor
Todas as horas vêm da China
Com árvores para pendurar ao pescoço
E com genuínas pedras de plástico do antigo Egipto
Pertenço à idade dos erros
Por isso ferro os dentes
Enquanto continuo a não morder
O engodo que me engorda
E olho para o caminho que parou
Ali mesmo à minha frente
Só para não me deixar passar
domingo, 14 de janeiro de 2024
OBSTÁCULO MEDITATIVO
Um gato rouba o meu pensamento
E foge com ele na boca.
Atiro-lhe pedras, mas ele não pára
Assusta-se e salta por cima do muro.
E agora? Penso eu sem pensamento…