sexta-feira, 2 de abril de 2021

EXALTAÇÃO EM TEMPOS DE ABISMOS

Talvez seja infame a passagem dos humanos aqui na terra
Já Noé os tinha proscritos da limpa liberdade dos outros bichos
Dos que voam, submergem ou rastejam
Macho e fêmea, resfolegando hálitos de insaciável gula
Louvas-as-deus sem dedos
Um longo fio de contas
Com pedras minúsculas que nenhum vento reza

É possível que o planeta esteja programado para ser azul
E mais nada, matéria de mero acaso em trajetória não traçada

Da espécie que conspurca o cosmo com as suas marcas rupestres
Não se esperava tanta memória nem alarido
A música, a lógica, a roda, o tiro, o coração, o medo
Tudo isso era para ter ficado atravessado no pescoço do tempo
Sem nunca precisar de ter sido engolido

E agora Adão? Tu próprio achas que mereces sair de cena
Sentes que mataste o céu com a tua ganância e a tua pressa
Atormentado, não apaziguas o pecado da sapiência
E continuas a expulsar de ti o fruto e o mel de cada dia,
Vivendo entre a inquietação e a obscura alegoria

Mas Platão, não eternizes muito mais a tua saída!

Vê, o teu tempo ainda não esta no fim, humana criatura,
Baloiça bem alto todos teus sonhos,
Mede a palmo o infinito que em ti sobeja
E que o teu coração se amplie

Até o deslumbre dos pássaros

2 comentários:

Anónimo disse...

exaltas cheia de sabedoria
a.

Jaime Portela disse...

O abismo nunca esteve tão perto de nós...
Um poema profundo e muito bem escrito. Excelente, os meus aplausos.
Continuação de boa semana, amiga Regina.
Beijo.