quinta-feira, 27 de setembro de 2007

Gaveta dos contos

A Preguiça


Não se trata de tonturas. O que se sente é mesmo uma ligeira oscilação da casa. Porque ela anda mesmo a flutuar no ar. Bastará ir até a janela para verificar o deslizar da paisagem. Mas não vale a pena tal esforço. O calor da fogueira mantém-se inalterável, a chaminé tem uma boa tiragem, por isso, o fumo não entra para o interior. Sim, apenas o cheio da fuligem poderia causar incómodos respiratórios. Mas como tudo está muito bem organizado, a leitura pode continuar sem que haja distracções.
Os óculos estão poisados no regaço. Que maçada, falta pouco para ser necessário acender a luz. Nessa altura, vai ter mesmo de levantar-se da poltrona para ir até ao interruptor. Apetece adormecer naquele quentinho. A casa viaja não se sabe a que velocidade. Nem qual a altitude que já atingiu. Tudo é suave como as almofadas sobre as quais os braços descansam.
Apenas a certeza de estar muito longe. Porque nenhum ruído existe, para além do abafado crepitar do lume. O silêncio no chão e nas paredes. Uma tranquilidade assim tão acentuada, bem poderá provocar uma paragem cardíaca. Custe o que custar, os olhos têm de se manter abertos. Ou pelo menos, semiabertos.
Lá fora, a casa voadora deve ser motivo de espanto e perplexidade. Também é provável que passe despercebida entre todos os outros objectos voadores não identificados.
Lentamente, a luz da fogueira desfaz-se em cinza. Os óculos resvalam dos joelhos e caem no tapete. Os anjos entram com um tabuleiro de prata. Trazem chá e torradas. É pena, mas há instantes em que tudo é indigesto. E até as coisas mais leves, pesam na alma.
O espaço aéreo está vigiado por centenas de radares. No entanto, a casa continua o seu destino sem ser interceptada. Sem que lhe seja pedido vistos ou passaportes. A casa tem a vantagem de ter sido construída com bons materiais: paredes duplas e bom isolamento das janelas. Preenche assim, todos os requisitos internacionais.
Absurdo e despropositado é que, de repente, e depois de todos os anjos se terem retirado, se comecem a ouvir incessantes rajadas de metralhadoras. E que, por todos os lados, ecoem choros de mulheres e crianças.
Se não fosse o langor do corpo e esse aconchego provocado pelas nuvens, seria urgente ir ver o que se passa lá fora.


14 comentários:

Blimunda disse...

E é esta a concha aconchegante que covardemente nos enclausura em todos os instantes da nossa deplorável existência...

teresa g. disse...

O meu radar anda-me a traír! ;)

Gosto da tua receita das gavetas, um dia destes ainda vou experimentar!

Conheço uns terroristas que seriam capazes de dar cabo da tua casa. Olarilas! Só mesmo a preguiça pode prevenir um encontro imediato. E daí não sei!

(Quando estive a dar aulas tive uma senhoria - muito simpática, por sinal - que costumava dizer 'olhe que a preguiça morreu de sede ao pé da fonte porque teve preguiça de esticar o braço!' Não sei porquê ela andava sempre a repetir-me isso. Vá-se lá saber!)

Espero que continues generosamente a abrir as gavetas!

(Já fizeste o roubo? Depois quero ver, senão cobro-te direitos de autor!)

Bjinhos, bom fim de semana!

Anónimo disse...

Essas suas gavetas estão recheadas de coisas bonitas!!!

Anónimo disse...

Bem, fiquei a saber que os ETs já chegaram à net (pelo menos uma ET).
E já agora não convidas a gente para dar uma voltinha lá por cima, nessa tua casa/nave espacial?
Ainda por cima servida por anjos...
Mas com um espaço tão vasto, também não é preciso escolher logo um sítio onde haja metralhadoras, não achas?

Fico à espera do convite.
Bfs. e um bjinho espacial.

Pepe Luigi disse...

Fiquei encantado com esta sua descrição que me deixou especado ao monitor e ao mesmo tempo pensativo.
Gosto de coisas que nos façam reflectir.

teresa g. disse...

??

Preguiça?!

(Eu também, devia era estar a trabalhar!)

Jinhos!

Joana disse...

tou sem palavras pa comentar. sei k adorei!

bjinhuxxx

AJO disse...

Já cá vim várias vezes e tentei sempre deixar um comentário, não foi por preguiça que não o deixei, mas porque não conseguia encontrar as palavras correctas para comentar tão bonito texto...há textos que nos deixam sem palavras... gosto muito da sua escrita.

Anónimo disse...

Bom feriado, bom fim de semana, bom tudo!
Tás a ver como as tuas "gavetas" têm sucesso?

Bjinho.

Sol disse...

Por culpa do Sr. Funes vim cá parar. Muito bom o blog. Gosto.

teresa g. disse...

Pois, fim de semana prolongado... a trabalhar no website daquele sítio que tu sabes. Estou com uma vontade que nem imaginas.

Mas pronto, é fim de semana no calendário, portanto as bruxinhas também devem estar a descansar.

Então bom fim de semana!

Mofina disse...

mazona:

É só abrir a janela, como diz o Mauro.
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jardineira:

1- Gavetas armadilhadas.
2- Preguiça ou cansaço?
3- Aos feriados apetece fazer coisas.

Somos duas ET's...
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cabecinha pensadora:

Não concordo muito, mas agradeço o estímulo.
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mac:

Mesmo com a casa no ar, é preciso manter os pés no chão...
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pepe:

Obrigada, mas a minha escrita é nada se comparada com as outras.
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baixinhaaa e ajo:

Sem palavras é que é bom ;)
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mac:

Ai que estou a ficar convencida...
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sol:

As coisas que o Funes faz! Obrigada pela visita.

teresa g. disse...

1,2,3... caramba sou mesmo omnipresente! (vulgo chata)

E este é o 4. Perdi uma oportunidade de estar calada.

Ó pá, sabes como é, as plantas não falam, venho para aqui desforrar-me!

teresa g. disse...

PS faltou-me dizer uma coisinha - só mais uma - o feriado passou e eu não fiz nenhum, a única coisa útil foi apanhar um balde de castanhas.

Quem disse que nos feriados apetece fazer coisas?! Preguiça é um bicho que quando morde não larga...

Pronto, vou-me, antes que seja corrida à vassourada!