quarta-feira, 15 de abril de 2009

A SOLIDÃO

Não consigo parar. Caminho de um lado para o outro, seguindo todas as indicações de saída. Mas todos os lugares de onde saio, vão dar a outros de onde também é preciso sair, por serem tão fechados como os anteriores. Uma vez entrei num desses estacionamentos subterrâneos que começava no piso zero, quer dizer, ao nível do solo. Depois a saída era feita sempre a descer -1, -2, -3… Parecia que estava a ir para o centro da Terra. Mas a verdade é que sem saber como, no piso -7 acabei por chegar outra vez à superfície. Encontrei a mesma estrada por onde havia entrado. Recursos da arquitectura moderna, pensei.

No entanto, o que se passa comigo é outra coisa bem diferente. É sentir que não consigo respirar. Que é o próprio céu que me oprime. Que, por mais largo que seja o horizonte, nunca me sinto à vontade. Quando vou pelas ruas, os prédios começam a apertar-se uns contra os outros e tenho de correr para não ficar com o corpo esmagado no meio deles. Outras vezes é a multidão que não me deixa passar. As pessoas fecham-se em meu redor como se não me quisessem deixar fugir.

Na verdade, ninguém repara em mim, e a minha presença passa sempre despercebida. Há alturas em que até duvido da minha realidade física. Não consigo encontrar a minha imagem reflectida em nenhum espelho. Nas vitrinas das lojas, vejo uma grande quantidade de gente e não me distingo no meio de todas aquelas figuras. Só me reconheço pelas roupas que trago vestidas: meus sinais exteriores de tristeza.

Há sempre uma porta fechada no meio do caminho por onde vou. É uma porta que está constantemente diante de mim. Para onde quer que eu vá, ela aparece. Tento arrombá-la, mas não tenho força. Já só me resta o cansaço de tanto caminhar. E caminho sempre em frente, apesar da porta que me impede a passagem. A porta está sempre lá, na minha frente. Mesmo que caminhe com toda a determinação, nunca a consigo alcançar, nunca consigo deixá-la para trás. É uma porta que, estando sempre na minha frente, me persegue como um cão. Por isso, olho constantemente para trás.

Mas não há nada atrás de mim. O mundo é um desenho ténue que se vai apagando à minha passagem. O mundo é um desenho que apenas se torna nítido de cada vez que dou um passo em frente. O mundo é uma rotunda por onde se pode seguir em todas as direcções. Só há um caminho para todas as direcções. Um caminho aberto e sem saída.

7 comentários:

Luís Filipe Maia disse...

Relato de um sonho ?

faz parte do projecto de solidão ?

ou

o projecto de solidão é a afirmação do desencanto ?

mac disse...

Caramba, minha amiga, como a compreendo!

Mas não é solidão, acho, é cegueira. Não adianta nada saber o nome da doença, mas a mim dá-me um certo conforto.

saphou disse...

Como a entendo e sinto...

Blimunda disse...

Um caminho aberto e sem saída mas de sentido único...

teresa g. disse...

Uma sessão de ayahuasca? Isto não é uma boca foleira, se percebeste o documentário sabes que não.

Bom fim de semana.

mac disse...

Mofina, minha amiga, não há dúvida todos os caminhos vão dar à mesma saída. A questão que se me põe ao espírito é se o caminho é bonito. Se não for, dará para plantar girassois enquanto se anda?

Graça Pires disse...

A solidão. Há alturas em que cada passo nos aproxima mais da solidão como se estivessemos condenados a estarmos sós. Gostei muito deste texto. Um beijo.