No princípio era o tédio. O tédio foi e será o princípio e o fim de todas as coisas. O cúmulo do tédio é a acção. Pelo tédio é que vamos. E chegamos. E voltamos a partir. Tudo acontece por causa do tédio. O dia e a noite. A voz e o silêncio. O fogo e a chuva. O apogeu e a derrota. As civilizações e as utopias. O tédio é esta vontade de trocar o Sul pelo Norte, de navegar para além de todas as estrelas, de inventar o futuro. Foi assim, por não poder mais, que os olhos se ergueram do chão e tomaram a medida do horizonte. Foi também por causa desta extenuante fatiga, que os passos do homem nómada se detiveram no crescente fértil e ali fincaram as raízes da história que havia de acontecer. E aconteceu a roda, o tear, o arado. Aconteceu o pensamento. A Terra foi colocada no centro do universo. O mar abriu-se para além de fim do mundo. E a Terra que já foi redonda, voltou a ser plana e plena outra vez. E ficou coberta pelas sombras da guerra, do ódio, da fome. Aconteceu a velocidade, o abismo, a energia. A desintegração do átomo, a contagem decrescente, os sonhos fora de órbita. E sempre o mesmo nada nas coisas que enchem o mundo, a mesma procura, o mesmo tédio. O bocejo infinito que não se conforma com a morte. O corpo que adormece e fica naufragado. Os olhos que de tanto ver, já não sabem olhar. A indiferença com que mandamos tudo pelos ares, com que rasgamos os mapas e desenhamos outros caminhos. É essa entediante indiferença que nos faz correr, ávidos de curiosidade, sempre que acontece uma boa
desgraça, porque tudo vale, desde que nos desperte, desde que nos active a emoção. Não há nada além do tempo e do esquecimento. Não há nada de novo, mas ainda assim, se espera pela notícia de última hora. Aquela que anunciará e vinda do verdadeiro Messias, a descoberta de novos continentes escondidos no interior da Terra, a chegada dos seres mais inteligentes do Universo, no meio dos quais estará, não o marciano verde, mas o clone triste da nossa triste figura, a alma da nossa alma. E a notícia que era notícia de última hora, repete-se todas as horas e só se interrompe para os compromissos publicitários, para uma Coca-Cola já nada capitalista. Que fracasso! Não há nada que nos console mais do que as falsas informações, aquelas que aumentam para mil o número oficial dos desalojados desta vida. Não há nada que nos estimule mais do que acrescentar números aos números. A vida é um boato, boato que nos faz crescer e multiplicar. Que nos faz morrer de tanto tédio. Porque o pensamento é um exagero que, de tanto aumentar, já não inventa nada. Agora que o Universo aconteceu, ficamos à deriva num futuro que se adia constantemente, em cada segundo que passa.